18 de mar. de 2011

Ritual e fúria



“É sangue, sangue, sangue de Espanha, sangue

de todos os povos de Espanha ”

(Pablo Neruda, O Pastor perdido)


A arte do Toureiro consiste em impor a sua vontade ao outro. O ofício de Julio Aparício requer causar dor, sofrimento e espetáculo. A estética, ali, se caracteriza pelo fino método de matar um animal com estilo. Como se a morte do touro fosse o ritual no qual os espanhóis exorcizam o medo da natureza. Eles erguem, assim, um monumento morto a fúria nas touradas de Madrid.

Num ritual algo tem que ser conciliado, posto em favorecimento de quem o faz. Talvez por isso Julio Aparício veste sua roupa prateada, calça seus sapatos negros com meias vermelhas, empunha a espada e coloca na altura do ante braço a capa.

Entra na arena e um grito de muitas vozes manifesta a fúria. Caminha o toureiro de um lado para o outro. Ergue a espada. É um sinal: que venha o touro. O embate entre vontades tem inicio. O vermelho de um dos lados da capa tonteia a visão do animal. Fraco de razão recebe o primeiro golpe nas costelas. Um giro.Um olé. Uma dança ou apenas um zombamento diante do ferido. O toureiro acerta três vezes seguidas o touro.


O golpe de misericórdia será dado. O touro e o toureiro estão a dez metros de distância um do outro. Julio Aparício parado imponentemente ergue sua capa a espera que o animal avance. O toureiro baila diante da vontade ferida do outro. Um passe dentre tantos já dados hoje e o inesperado tropeço. O touro segue o itinerário da sua vontade; e no choque entre os corpos o  chifre do animal ferido atravessa a garganta de Aparício e sai pela boca. O toureiro ainda caminha alguns metros, cambaleia e cospe sangue. Tomba o matador. A fúria presente nas muitas vozes se cala.

Acabou. Aos poucos o público esvazia a Arena. O ritual é profanado. Algo é desconciliado e posto em desfavorecimento de quem o pratica. A vontade do touro vence a do toureiro.

RVC



1 de mar. de 2011

Ficou o samba


Para Cida mãe; repatriata no meu peito. 



Naquela maloca amarela

no pé da favela

éramos eu

a viola e um pouco de saudade

da nossa dança.

Daquele vazio bonito

eu fiz um samba.

Lá fora a vida era festa,

um bloco que se ia,

uma alegria que sambava.

Tudo corria pra ela.

Tudo guardava um pouco dela.
Na quarta o céu era choro,

cinza e resaca.

o vazio ainda era bonito.


Então

outro samba

compus pra ela.

Depois só ficou o samba,


Ficou o samba.

O samba,

Sambo.



RVC