23 de jul. de 2012

O Destinador


“O mais vivo pensamento é ainda inferior á mais embotada das sensações”

David Hume, investigações sobre o entendimento humano; seção II  



Rafael Caetano

Em poucos momentos ele irá partir. Imago deixará ficar dali apenas uma lembrança que logo se suicidará. O vivido ficará em alguns dias para trás. Algo aos poucos morrerá nele como  o destino certo do ponteiro para frente.
Encontrará Dono. Esse é o seu último encontro naquele lugar, seus pés pesam como se arrastassem jumbo ou correntes. Demorou mais do que o habitual para chegar onde Dono recebia. 
 Todos aqueles fragmentos de vida, pequenos momentos experiênciados ali lhe serviriam para quê? A perda, lesão ou desfalque é, agora, o seu corpo. Quer cobrar sua dívida, mas quem pagará o justo valor do seu dano?
Entra na sala ampla onde habita o silêncio e um velho que fuma seus minutos de vida. Algo ali parece querer espirar. Ele não sabe se os cabelos brancos ou o tempo em cada ruga do homem, que o espera, fugirá dali sem o avisar.  
Senta na cadeira mais baixa destinada pelo velho para as visitas. As janelas fechadas impedem que a fumaça se dissipe. Ele aprisiona tudo. Pensa Imago.
Rafael Caetano
                                                                                                                                                                             
Dono — Então vai partir?    
Imago — Sim. Não vejo a hora de poder ir ate’ onde a minha vontade me levar. 
Dono — Pensa assim? 
Imago — O que poderia me levar a não pensar assim?
Dono — Será útil se fizer aquilo que te falamos. Agora pode ir. Tenho outras coisas para fazer.
Imago — Serei útil?   
Dono — Tome esse papel e pode ir, tenha um bom dia.
Imago — Te fiz uma pergunta...
Dono — Olha aqui seu fedelho eu analisei a soma dos fatos, das causas e das conseqüências dos seus atos e eles me levam a conclusão que se seguir cada orientação que te ensinamos corretamente funcionará bem para nós. Agora tchau.   
Imago — Mas e se algum cálculo seu estiver errado?
Dono — Então não existe.
Imago — Mas como? Olha? Estou aqui!
Dono — Não importa. Você pode ser apenas um erro, um falso problema que a linguagem usada de forma equivocada criou. Agora saia estar atrapalhando o uso do meu conhecimento pelos outros.
Imago — Como pode querer que outro defina o que serei pela minha utilidade ou função?
Dono — Olha rapaz isso aqui não é crendice ou achismo, mas sim uma ciência que pela sua utilidade para as pessoas nos últimos anos tem seu respeito; então aceite o que lhe dizermos e saia da minha frente.
Imago — Deveria acreditar nisso porque outros acreditam?
Dono — Ora!  Isto não é uma pergunta. Queira se retirar ou terei de usar da força física para que o senhor aceite o que falarmos.
Imago — Veremos.
Rafael Caetano
                                                                                                                                                                             
Saiu. Imago paralisa o corpo diante da planície  em que os manadas de homens passam em alta velocidade. Um intervalo é o seu corpo. Pula na frente da primeira manada que o atropela. Esse não era o destino que Dono escrevera para ele no papel , agora, caído no asfalto.
RVC
Rio, deus castanho.